Consequências para os Negócios Globais
Sede das Nações Unidas, Nova Iorque
6 de Outubro de 2009



Preâmbulo

Para que a globalização da actividade económica conduza à prosperidade sustentável e universal, todos aqueles que participam em ou são afectados por actividades económicas dependem de cooperação e de uma troca comercial assente em valores. Esta é uma das lições fundamentais a retirar da crise mundial que hoje se vive ao nível dos mercados financeiros e dos produtos.

Para além disso, as trocas comerciais justas e a cooperação apenas atingirão objectivos societais sustentáveis quando as actividades que visem concretizar os legítimos interesses e a prosperidade de cada indivíduo estiverem imbuídas de um quadro ético global que goze de aceitação geral. Tal acordo sobre normas globalmente aceites que visam acções e decisões económicas – resumindo, “uma ética dos negócios” – ainda se encontra numa fase embrionária.

Uma ética global para a Economia – uma visão fundamental comum daquilo que é legítimo, razoável e justo – assenta em princípios e valores morais que, desde tempos imemoriais, têm sido partilhados por todas as culturas e sustentados pela experiência prática comum.

Cada um de nós – nos nossos diversos papéis enquanto empreendedores, investidores, credores, trabalhadores, consumidores e membros de diferentes grupos de interesse em todos os países – tem a responsabilidade fundamental e comum, juntamente com as nossas instituições políticas e organizações internacionais, de reconhecer e aplicar esta ética global para a economia.

Por estes motivos, os signatários desta declaração expressam o seu apoio ao seguinte Manifesto.

Manifesto por uma Ética Global para a Economia


Nesta declaração são expostos os princípios e valores fundamentais de uma economia global, de acordo com a Declaração para uma Ética Global emitida pelo Parlamento das Religiões do Mundo, em Chicago, 1993. Os princípios deste manifesto podem ser sancionados por todos os homens e mulheres com convicções éticas, tenham elas fundamento religioso ou não. Os signatários desta declaração comprometem-se a ser conduzidos pela sua letra e pelo seu espírito nas decisões, acções económicas e comportamento do dia-a-dial. Este Manifesto por uma Ética Global para a Economia acolhe com seriedade as regras do mercado e da concorrência com o intuito de suportar essas regras numa base ética sólida que visa o bem-estar de todos.

Nada menos do que a experiência da actual crise que afecta toda a esfera económica salienta a necessidade desses princípios éticos e padrões morais internacionalmente

aceites, dos quais todos precisamos para dar novo fôlego às práticas empresariais do nosso quotidiano.


I. O princípio da humanidade

O quadro ético de referência:
as diferenças entre tradições culturais não deverão ser um obstáculo à participação na cooperação activa pelo apreço, pela defesa e pelo cumprimento dos direitos humanos. Cada ser humano sem distinção de idade, sexo, raça, cor de pele, capacidade física ou mental, língua, religião, cor política, origem social ou nacional é possuidor de uma dignidade intocável e inalienável. Todos, sejam indivíduos, seja o Estado, se vêem, assim, obrigados a honrar e a proteger esta dignidade. Os seres humanos têm de ter sempre direitos. Estes têm de ser os fins e nunca meros meios, nunca podendo, por isso, ser objecto de comercialização e industrialização para a economia, para a política e para os media, nos institutos de investigação ou em corporações industriais.

O princípio fundamental de uma desejável Ética Global para a Economia é a humanidade: essa tem de ser a unidade de medida ética para toda a acção económica. Este princípio concretiza-se nas orientações que se seguem, para a concretização de negócios de uma forma que gera valor e é orientada para valores que visam o bem comum.

Artigo 1

O objectivo ético da acção económica sustentável, bem como o seu pré-requisito social, é a criação de um quadro fundamental para a sustentabilidade que satisfaça as necessidades básicas dos seres humanos de modo a que estes possam viver condignamente. Por esse motivo, em todas as decisões económicas, a norma predominante deverá ser a de tais acções estarem sempre ao serviço da formação e do desenvolvimento de todos os recursos e capacidades individuais que se considerem necessários para um verdadeiro desenvolvimento humano do indivíduo e para uma vida feliz em comunidade.

Artigo 2

A Humanidade evolui apenas numa cultura de respeito pelo indivíduo. A dignidade e a auto-estima de todos os seres humanos – sejam eles superiores, colegas, parceiros de negócio, clientes ou outros interessados – são invioláveis. Jamais poderão os seres humanos ser maltratados, seja através de formas de conduta individuais, de comércio desonesto ou das condições de trabalho. A exploração e o abuso em situações de dependência e a discriminação arbitrária de pessoas são irreconciliáveis com o princípio da humanidade.

Artigo 3

Promover o bem e evitar o mal é um dever de todos os seres humanos. Por conseguinte, este dever tem de funcionar como critério moral em todas as decisões e procedimentos económicos. É legítimo que alguém procure concretizar os seus próprios interesses, mas a procura deliberada da vantagem pessoal em detrimento dos parceiros – ou seja, de forma pouco ética – é incompatível com a actividade económica sustentável que vise a vantagem mútua.

Artigo 4

Não faça aos outros o que não quer que lhe façam a si. Esta Regra de Ouro da reciprocidade, que há milhares de anos é reconhecida em todas as tradições religiosas e humanistas, promove responsabilidade mútua, solidariedade, justiça, tolerância e respeito por todas as pessoas envolvidas. Tais atitudes ou virtudes constituem os sustentáculos de um ethos económico global. A justiça na competição e a cooperação que tem em vista vantagens mútuas são os princípios fundamentais de uma economia global que se desenvolve de forma sustentável em conformidade com a Regra de Ouro.


II. Valores básicos para uma actividade económica global

Os seguintes valores básicos para que se levem a cabo negócios ao nível global levam mais além o princípio fundamental da humanidade e dão sugestões concretas de decisões, acções e comportamento geral na esfera prática da vida económica.


Valores básicos: não-violência e respeito pela vida

O quadro ético de referência:
ser verdadeiramente humano no espírito das nossas grandes tradições religiosas e éticas significa que, tanto na vida pública como na privada, temos de mostrar preocupação pelos outros e estar dispostos a ajudar. Todas as pessoas, todas as raças e todas as religiões têm de dar provas de tolerância e respeito – e até de grande apreço – por todas as outras. As minorias – sejam elas raciais, étnicas ou religiosas – necessitam de protecção e apoio por parte da maioria.

Artigo 5

Todos os seres humanos têm o dever de respeitar o direito à vida e ao seu desenvolvimento. O respeito pela vida humana é um bem particularmente nobre. Assim, será rejeitada toda e qualquer forma de violência e de abuso na concretização dos objectivos económicos. Violações de normas internacionalmente reconhecidas da legislação laboral como o trabalho escravo, o trabalho obrigatório, o trabalho infantil, o castigo físico, entre outras, têm de ser impedidas e proibidas. Com a máxima prioridade, todos os agentes económicos têm de garantir a protecção dos direitos humanos nas suas próprias organizações. Em simultâneo, têm de evidenciar todos os esforços para que, no âmbito da sua esfera de influência, nada façam que possa levar a violações dos direitos humanos por parte dos seus parceiros de negócios ou de outras partes envolvidas. De forma alguma poderão eles próprios lucrar com essas violações. Há que impedir a degradaçãoada saúde das pessoas provocado por condições de trabalho adversas. A segurança ocupacional e a segurança do produto em conformidade com as melhores tecnologias, são direitos básicos numa cultura de não-violência e respeito pela vida.

Artigo 6

O tratamento sustentável do ambiente natural por parte de todos os participantes na vida económica é uma norma predominante na actividade económica. O desperdício de recursos naturais e a poluição ambiental têm de ser minimizados mediante procedimentos que preservem os recursos e tecnologias amigas do ambiente. Energia limpa e sustentável (tanto quanto possível, com fontes de energia renováveis), água pura e ar puro são condições básicas para a vida. Cada ser humano neste planeta tem de ter acesso a elas.


Valores básicos: justiça e solidariedade

O quadro ético de referência:
ser autênticamente humano significa – no espírito das grandes tradições religiosas e éticas – não usar incorrectamente o poder económico e político numa luta implacável pelo domínio. Em vez disso, tal poder é usado ao serviço de todos os seres humanos. O interesse próprio e a competição estão ao serviço do desenvolvimento da capacidade produtiva e do bem-estar de todos os envolvidos na actividade económica. Por conseguinte, devem prevalecer o respeito mútuo, a razoável coordenação de interesses e a vontade de conciliar e mostrar consideração.

Artigo 7

A justiça e a lei constituem pressuposições recíprocas. A responsabilidade, a rectidão, a transparência e a justiça são valores fundamentais da vida económica, que tem de ser sempre caracterizada por uma integridade cumpridora da lei. Todos os envolvidos numa actividade económica estão obrigados a agir de acordo com as regras vigentes nas leis nacionais e internacionais. Havendo défices na qualidade ou no cumprimento das normas legais, num dado país, deverão prevalecer o auto-empenho e o auto-controlo; em circunstância alguma poderá alguém tirar partido deles por uma questão lucrativa.

Artigo 8

A procura do lucro é o pressuposto da competitividade. É o que subjaz à sobrevivência das empresas e dos seus compromissos sociais e culturais. A corrupção inibe o bem-estar público, lesando a economia e as pessoas, já que conduz sistematicamente a atribuições falsas e a desperdício de recursos. A proibição e a abolição de práticas corruptas e desonestas, como suborno, acordos de conluio, roubo de patentes e espionagem industrial, exigem um compromisso preventivo, que é um dever inerente a todos os activos na economia.

Artigo 9

Um objectivo principal de cada sistema social e económico que procure a igualdade de oportunidades, a justiça distributiva e a solidariedade é ultrapassar a fome e a ignorância, a pobreza e a desigualdade em todo o mundo. A auto-ajuda e a ajuda externa, a subsidiariedade e a solidariedade, o compromisso público e privado – todos constituem as duas faces da mesma moeda: tornam-se palpáveis nos investimentos económicos públicos e privados, mas também nas iniciativas públicas e privadas para a criação de instituições que estejam ao serviço da formação de todos os segmentos da população e que organizem um sistema abrangente de segurança social. O objectivo básico de tais esforços é um verdadeiro desenvolvimento humano orientado para a promoção de todas essas capacidades e de todos esses recursos que permitem que homens e mulheres possam viver uma vida de auto-determinação plena de dignidade humana.


Valores básicos: honestidade e tolerância

O quadro ético de referência:
ser autenticamente humano no espírito das grandes tradições religiosas e éticas significa que não podemos confundir liberdade com arbitrariedade nem pluralismo com indiferença pela verdade. Temos de cultivar a integridade e a autenticidade em todos os nossos relacionamentos, e não a desonestidade, a hipocrisia e o oportunismo.

Artigo 10

A autenticidade, a honestidade e a fiabilidade são valores fundamentais das relações económicas sustentáveis que promovam o bem-estar humano em geral. Estes constituem pré-requisitos para a criação da confiança entre os seres humanos e para a promoção da competição económica justa. Por outro lado, é também imperativo proteger os direitos humanos básicos de privacidade e de confidencialidade pessoal e profissional.

Artigo 11

A diversidade de convicções culturais e políticas, à semelhança das distintas capacidades dos indivíduos e das diferentes competências das organizações, representa uma potencial fonte de prosperidade global. A cooperação por uma vantagem mútua pressupõe a aceitação de valores e normas comuns e a prontidão para aprender uns com os outros e tolerar respeitosamente a alteridade do outro. A discriminação de seres humanos devido a sexo, raça, nacionalidade ou crenças não se encontra em conformidade com os princípios de uma ética global para a economia. Não serão toleradas acções que não respeitem ou que violem os direitos de outros seres humanos.


Valores básicos: consideração e parceria mútuas

O quadro ético de referência:
ser autenticamente humano no espírito das grandes tradições religiosas e éticas significa o seguinte: são necessários o respeito, a parceria e a compreensão mútuos, em lugar do domínio patriarcal e da degradação, que são expressões de violência e geram a contra-violência. Cada indivíduo tem a sua dignidade intrínseca e os seus direitos inalienáveis e cada um é também inevitavelmente responsável por aquilo que faz ou não faz.

Artigo 12

A consideração e a parceria mútuas entre todos os envolvidos – em particular, entre homens e mulheres – são, em simultâneo, o pré-requisito para e o resultado da cooperação económica. A consideração e a parceria assentam no respeito, na justiça e na sinceridade para com os parceiros, sejam eles os executivos de uma empresa ou os seus funcionários, os seus clientes ou outras partes interessadas. A consideração e a parceria constituem a base indispensável ao reconhecimento de situações nas quais as consequências negativas não intencionais das acções económicas colocam um problema a todos os interessados – um problema que pode e tem de ser resolvido com esforço mútuo.

Artigo 13

De igual modo, a parceria encontra a sua expressão na capacidade para participar na vida económica, nas decisões económicas e nos ganhos económicos. A forma como tal participação pode ser concretizada depende de diversos factores culturais e das estruturas reguladoras predominantes nas diferentes áreas económicas. Porém, o direito de aliar forças no sentido de procurar concretizar de forma responsável os interesses pessoais e do grupo, através de uma acção colectiva, representa um padrão mínimo que tem de ser reconhecido em toda a parte.


Conclusão

A todos os agentes económicos compete respeitar as regras de conduta para a vida económica internacionalmente aceites. Estes devem defendê-las e, no âmbito da sua esfera de influência, trabalhar em conjunto no sentido de as concretizar. As responsabilidades e os direitos humanos, conforme proclamados pelas Nações Unidas, em 1948, são fundamentais. Outras orientações globais emitidas por reconhecidas instituições transnacionais – o Pacto Global das Nações Unidas, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento e a Convenção da ONU contra a Corrupção, para nomear algumas – estão de acordo com as exigências apresentadas neste Manifesto por uma Ética Global para a Economia.


Primeiros signatários

A.T. Ariyaratne, Founder-President, Sarvodaya Movement, Sri Lanka
Leonardo Boff,
Theologian and Writer, Brazil
Michel Camdessus,
Governador Honorário do Banco de França
Walter Fust,
CEO, Global Humanitarian Forum
Prince El Hassan bin Talal,
Jordan
Margot Kässmann,
Lutheran Bishop of Hanover and Chairperson of the Council of the Evangelical Church in Germany
Georg Kell,
Executive Director, UN Global Compact Office
Samuel Kobia,
General Secretary of World Council of Churches
Hans Küng,
Presidente, Global Ethic Foundation
Karl Lehmann,
Cardinal, Bishop of Mainz
Klaus M. Leisinger,
CEO, Novartis Foundation
Peter Maurer,
Ambassador and Permanent Representative of Switzerland to the United Nations
Mary Robinson,
Presidente, Realizing Rights: The Ethical Globalization Initiative
Jeffrey Sachs, Director, The Earth Institute, Universidade de Columbia
Juan Somavia,
Director General, International Labour Organization
Desmond Tutu, Arcebispo emérito e Prémio Nobel da Paz

Daniel Vasella,
CEO, Novartis International
Tu Weiming,
Professor of Philosophy, Harvard University and Beijing University
Patricia Werhane,
Professor of Business Ethics, University of Virginia, Darden School of Business and DePaul University
James D. Wolfensohn,
former President of the World Bank
Carolyn Woo,
Dean, Mendoza College of Business University of Notre Dame

A declaração foi elaborada por uma comissão de trabalho
da Global Ethic Foundation

Prof. Dr. Heinz-Dieter Assmann (Universidade de Tübingen)
Dr. Wolfram Freudenberg (Grupo Freudenberg)
Prof. Dr. Klaus Leisinger (Fundação Novartis)
Prof. Dr. Hermut Kormann (Voith AG)
Prof. Dr. Josef Wieland (Universidade Konstanz de Ciências Aplicadas)
Prof. h.c. Karl Schlecht (Putzmeister AG)


Responsáveis da Global Ethic Foundation
Prof. Dr. Hans Küng (presidente)
Prof. Dr. Karl-Josef Kuschel (academic adviser)
Dr. Stephan Schlensog (secretário-geral)
Dr. Günther Gebhardt (consultor)


Tuebingen, 1 de Abril de 2009

© Global Ethic Foundation Tuebingen / Stiftung Weltethos Tübingen
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